Com a mudança de costumes, divorciados indianos buscam uma segunda chance
Saher Mahmood e Somini Sengupta
Em Nova Déli, Índia
Em um restaurante de trabalhadores no meio de um movimentado mercado municipal, Yuvraj Raina é cúmplice de uma atividade que antes seria vista como uma radical afronta à ordem social.
Ele pega uma das pastas em sua mesa e lê em voz alta. "Divorciada, nascida em 68, trabalha com finanças e ganha 40 mil por mês. Tem uma filha, de 8 anos."
Outro pasta: "Brâmane, nascida em 59, 1,60m, contadora, sem filhos. Divorciada. A razão para o divórcio, ela diz aqui, foi que o rapaz tinha problemas psicológicos."
E uma terceira candidata pouco convencional, que nunca foi casada mas é considerada velha demais para encontrar um marido do jeito tradicional. "Ela optou por um divorciado. Nascida em 68, dificilmente conseguiria se casar com um homem solteiro.Raina, também divorciado, é um homem de negócios que está cortejando um mercado pequeno, porém promissor: ele tem uma agência matrimonial para homens e mulheres divorciados que querem se casar novamente. Em outra época, essa idéia teria sido excomungada pela classe média indiana. O casamento era compulsório, o divórcio era condenado, e as viúvas, pelo menos em algumas comunidades hindus, eram submetidas a uma vida de austeridade e, em alguns casos, ao exílio.
O casamento ainda é, em grande extensão, socialmente obrigatório na Índia. Mas na medida em que os costumes sociais indianos lentamente se transformam, os divórcio e segundos casamentos estão, aos poucos, ganhando aceitação. "No geral, isso não é mais tabu hoje em dia", disse Raina, que continuou tecendo louvores ao anonimato que as cidades grandes em especial oferecem aos que querem recomeçar suas vidas. Para escapar das línguas cacarejantes e dos dedos indicadores, um homem divorciado, diz Raina, "só precisa mudar de casa. Basta se mudar do leste de Déli para o Sul, que ele é uma nova pessoa."
O trabalho da agência de Raina, chamada Aastha Center for Remarriage, não é mais tão subversivo. As seções matrimoniais dos jornais de domingo trazem anúncios de outras agências de casamento especializadas em divorciados. O portal secondshaadi.com - "shaadi" significa casamento em hindi, e "second", segundo em inglês - foi lançado na Internet há apenas seis meses e já conta com uma base de dados de 25 mil clientes.
Até os sites convencionais de casamento, como o shaadi.com, estão começando a encontrar inscrições de pessoas que querem se casar pela segunda vez. Sunil Gangwani, que dirige uma filial do shaadi.com em Nagpur, uma pequena cidade do interior da Índia, diz que 5% de seus clientes são divorciados.
As taxas de divórcio são difíceis de serem quantificadas porque os casos são arquivados nas cortes locais espalhadas por todo o país, mas existem evidências factuais desse aumento. A Delhi Commission for Women, que tem uma linha telefônica de atendimento ao público, estima que o número de chamadas por parte de mulheres pedindo procedimentos de divórcio cresceu pelo menos 20% desde 2000.
Só a agência de Raina tem cerca de 5 mil noivas e noivos em potencial em seus arquivos. Na maior parte dos casos, são os parentes que inscrevem os divorciados no serviço, da mesma forma que os irmãos mais velhos e os pais e tios fariam no caso de um primeiro casamento tradicional. Os arquivos contém detalhes à moda antiga: casta, renda, se o pretendente é vegetariano ou não - e o horário exato do nascimento, para fins astrológicos. Mas eles também identificam se os clientes são divorciados ou viúvos, e descrevem em poucas palavras por que o casamento terminou, no caso dos divorciados. Raina diz que não está interessado em detalhes. "Se eu for ouvir todas as histórias, vai levar pelo menos dois dias para preencher a ficha", disse ele. "Eu simplesmente escrevo 'incompatibilidade'."
Ele examina as fichas cuidadosamente e envia aos clientes aquelas que são combinações compatíveis. Foi assim que ele encontrou sua parceira - uma mulher cujo primeiro marido havia morrido, deixando-a com um negócio para cuidar. Raina e a mulher já estão casados há mais de um ano.
O escritório da agência Aastha é uma sala estreita no alto de um prédio de dois andares, sem elevador. As paredes estão cobertas com pôsteres de casais sorridentes em trajes de casamento, maiores do que o tamanho natural. As pessoas procurar a agência por desejos e motivos diferentes. Manju Singh, 56, não buscava necessariamente um marido, mas um companheiro de sua idade. "Quero alguém com quem conversar", disse ela. "Minhas noites são muito solitárias".
Anubha Suri, 29, foi encorajada por seus pais a começar uma nova vida, mesmo enquanto espera que seu divórcio seja finalizado. "As pessoas podem dizer, 'Veja como essa garota é rápida'", diz ela. "Eu não me importo. Vou mostrar para o mundo que uma mulher pode viver com ou sem o casamento."
Savi Nagpal, 39, procurou a agência porque ficou cansada de organizar as festas de aniversário de sua filha sozinha. "Como se sabe, na Índia todo mundo pergunta pelo nome do pai - é a primeira coisa", disse ela. Ter uma presença paterna, disse ela, será bom para sua filha, que tem 8 anos de idade.
Mas ainda assim, Nagpal continua relutante em se casar novamente. Levou mais de três anos para que ela contatasse a agência de Raina. Ela ainda tem medo de entrar num relacionamento novo. "Procurar um segundo marido para mim agora não é uma questão de amor, mas simplesmente uma necessidade prática", disse Nagpal.
A Índia é uma sociedade em transição, cautelosamente adotando novos hábitos, mas ainda profundamente tradicional nas questões relacionadas ao casamento. Ninguém sabe isso melhor do que alguém que é divorciado e está buscando um novo começo.
Inderbir Singh, 35, deixou de ser convidado para sair com seus amigos depois de seu divórcio, há 15 meses. Se um parceiro de negócios pergunta sobre sua família e ele confessa que é divorciado, a conversa entra num silêncio constrangedor. Seus amigos o têm incentivado a encontrar uma nova companheira, mas ninguém quis apresentá-lo a nenhuma mulher. "De repente, sou um renegado na sociedade em que vivo", disse ele, em tom de quase brincadeira.
Ele vê uma sociedade em conflito consigo mesma. "As pessoas acham o divórcio OK. Ninguém vai forçá-lo a continuar no casamento e se torturar para o resto da vida", diz ele. "Mas a atitude para com uma pessoa divorciada continua a mesma. Somos renegados. As pessoas acreditam que o divórcio não aconteceria se a pessoa fosse boa."
Singh não ficou constrangido por se lançar no mercado de casamento novamente. Ele se inscreveu em sites de casamento convencionais, mas só conseguiu o que chamou de "taxa de fracasso de 100%". Ele colocou um anúncio no jornal, solicitando propostas, mas também não teve sorte. Então, tentou o site secondshaadi.com.
Até agora, já conheceu sete mulheres, e gostou de uma delas o suficiente para convidá-la para dois encontros. Ele a descreveu como sendo "um contato muito promissor".
"Vamos ver o que acontece", disse ele.
3 comments:
Qual refugo qual quê???? Noutro dia estava eu a ler uma crónica num jornaleco daqui da cidade e fiquei chocada com uma catequista MUITO indignada porque os padres da paróquia dela andavam a dar a comunhão aos divorciados (hóstias). E Deixavam-nos casar outra vez pela Igreja, dizia a mulher, toda lamuriosa! Ainda há gente com uma mentalidade retrógrada e fundamentalista.
ah pois, mas se calhar essa catequista tem 'pecados' bem obscuros e que não revela a ninguém.
falsos fundamentalistas...
Por isso é que eu quanto mais conheço o ser humano mais gosto dos animais.
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